Um novo estudo descobriu que dar tratamento desparasitante às crianças ainda lhes traz benefícios 20 anos depois

Quando você quer beber água, basta abrir a torneira. Mas e se você não tivesse água encanada? E se não pudesse beber água sem o risco de adoecer? A doebem apoia as intervenções mais eficazes do mundo para melhorar o ser humano e por isso apoia o trabalho da SCI. A SCI leva medicamentos que combatem parasitas e sistemas simples de purificação da água para os locais que não possuem saneamento básico. Como se isso não fosse bom por si só, esse trabalho tem impacto no desenvolvimento intelectual e escolarização das crianças que são medicadas, o que por sua vez acaba gerando benefícios mesmo quando já estão adultos, no mercado de trabalho, podendo ser medidos mesmo 20 anos depois!

Abaixo reproduzimos reportagem do jornal Vox que explica em detalhes os estudos que embasam essas descobertas:

Um novo estudo descobriu que dar tratamento desparasitante às crianças ainda lhes traz benefícios 20 anos depois

Os resultados são certamente impressionantes. A maioria das intervenções globais no âmbito da pobreza, mesmo que funcionem, não produzem uma taxa de retorno anual de 37% que dura décadas. É muito raro fazer qualquer coisa nas políticas públicas que ainda tenha efeitos significativos 20 anos depois — muito menos efeitos tão grandes.

Em 1998 e 1999, profissionais de saúde pública no Quênia começaram a tratar crianças em escolas quenianas contra parasitas intestinais comuns, incluindo ancilóstomos, lombrigas, tricurídeos e esquistossomose. Os parasitas, predominantes em áreas pobres, estavam a afetar a nutrição e a saúde das crianças. A esperança era que os programas de tratamento em massa permitissem que uma geração de crianças crescesse sem os efeitos negativos das infestações de parasitas.

Para quem não lembra, essa é a esquistossomose, também conhecida como barriga d’água.

Nos anos que se seguiram, as campanhas de desparasitação tornaram-se a iniciativa favorita dos governos nacionais, bem como dos doadores que procuravam fazer donativos eficazes. Algumas investigações sugerem que este tipo de campanhas pode ser das intervenções de saúde pública mais importantes do mundo.

Mas dificilmente tem havido unanimidade sobre a questão da sua eficácia. Estudos como o artigo original de 2003 dos economistas do desenvolvimento Edward Miguel e Michael Kremer daquele grupo de estudantes no Quênia encontraram resultados surpreendentes de campanhas de desparasitação em massa. Os estudantes tornaram-se mais saudáveis, permaneciam na escola por mais anos e ganhavam mais dinheiro quando adultos.

Mas outros criticaram esse estudo, e outros estudos de desparasitação em massa não encontraram resultados tão elevados. Como é o caso de muitas outras intervenções de saúde pública, o caso da desparasitação em massa tem algumas provas reais que a sustentam, mas ainda há questões sem resposta e questões em que a investigação existente, para nossa frustração, é contraditória.

Este ano, Miguel e Kremer, juntamente com os coautores Joan Hamory, Michael Walker e Sarah Baird, voltaram à amostra original do Quênia na qual descobriram pela primeira vez os impactos das campanhas de desparasitação em massa que potencialmente mudam vidas. Acompanhando os participantes originais 20 anos mais tarde, pretendiam responder à pergunta: Os benefícios que descobriram inicialmente com o tratamento desparasitante na infância — que incluía mais tempo na escola e maior rendimento quando adultos — continuam válidos?

Num novo artigo publicado na série de artigos de trabalho do NBER [National Bureau of Economic Research] em 3 de Agosto, descobriram que sim. “Indivíduos que foram desparasitados quando crianças experienciaram aumentos substanciais no seu consumo quando adultos e rendimentos”, conclui o estudo.

Os efeitos sobre os rendimentos e os gastos são ligeiramente menores do que os observados num acompanhamento depois de 10 anos, mas mesmo assim são muito notáveis. Dois ou três anos a mais de tratamentos de desparasitação na escola traduzem-se em rendimentos por hora 13% mais altos, gastos de consumo 14% mais altos e probabilidades significativamente maiores de trabalhar fora da agricultura (em empregos que pagam melhor e que dão mais oportunidades de desenvolvimento). Os investigadores calculam que o investimento na desparasitação das crianças do Quênia teve até agora uma taxa de retorno anual de 37%.

“O que isto demonstra é que, mesmo a longo prazo, estes investimentos na saúde infantil têm um impacto duradouro nos padrões de vida das pessoas”, disse-me o autor Edward Miguel.

Os resultados são certamente impressionantes. A maioria das intervenções globais no âmbito da pobreza, mesmo que funcionem, não produzem uma taxa de retorno anual de 37% que dura décadas (o que talvez seja um motivo para ceticismo face às descobertas). É muito raro fazer qualquer coisa nas políticas públicas que ainda tenha efeitos significativos 20 anos depois — muito menos efeitos tão grandes.

Por outro lado, quando as intervenções têm efeitos a longo prazo, tendem a ser intervenções de saúde. Crianças mais saudáveis ​​crescem mais, ficam mais tempo na escola, aprendem mais enquanto estão na escola e têm menos probabilidade de adoecer em adultos. Se alguma coisa pode ter um impacto para toda a vida, será este tipo de intervenções na saúde.

Sabia que é possível ajudar uma ONG que faz esse trabalho via doebem? Clique aqui!

O debate sobre o que o estudo do Quênia nos ensina acerca de parasitas

Este estudo é a contribuição mais recente num longo debate em curso no mundo da saúde pública global sobre os efeitos das campanhas de desparasitação.

Em 2015, os epidemiologistas britânicos Alexander Aiken e Calum Davey publicaram uma reanálise dos dados das escolas originais do Quênia e defenderam que, quando os dados são devidamente analisados, “encontramos poucas provas de alguns efeitos indiretos relatados anteriormente numa intervenção de desparasitação. Os efeitos sobre infecções por parasitas, estado nutricional, desempenho em exames e frequência escolar em crianças das escolas que passaram pela intervenção permaneceram praticamente inalterados.”

Outros investigadores objetaram. Claro, o primeiro estudo sobre parasitas não foi perfeito — a sua escolha das escolas não foi suficientemente aleatória, não havia placebos (o que significa que os alunos poderiam ter-se comportado de maneira diferente porque sabiam que estavam no grupo de tratamento) e houve alguns erros reais no artigo. Mas o seu resultado principal foi muito robusto. Desde então, as crianças expostas à desparasitação tiveram resultados de vida mensuravelmente bem melhores. A reanálise teve por base técnicas estatísticas que não encontrariam resultados significativos neste conjunto de dados, mesmo que houvesse resultados significativos a serem encontrados.

Kremer e Miguel também defenderam as suas descobertas. A desparasitação “é uma política altamente custo-eficaz com provas de vários estudos sobre resultados educacionais e econômicos”, disse Kremer à minha colega Julia Belluz em 2015. “Há provas sobre o impacto educacional e econômico a longo prazo da desparasitação em vários outros estudos: por exemplo, os trabalhos de Kevin Croke no Uganda, os trabalhos de Owen Ozier no Quênia, e o nosso próprio acompanhamento a longo prazo no Quênia.” (Kremer acabou ganhando o Prêmio Nobel de Economia em 2019).

O novo artigo acrescenta-se a esse conjunto de provas. Mas os críticos provavelmente ainda não irão ficar completamente satisfeitos.

Por exemplo, podem perguntar: Se a desparasitação teve efeitos tão grandes e profundos no Quênia, por que é que efeitos semelhantes não foram encontrados noutros lugares?

“Houve algumas revisões que encontraram um efeito modesto ou nenhum efeito”, concordou Miguel. Mas defendeu que eram principalmente de locais com menor incidência de parasitas, o que tornaria os efeitos muito mais difíceis de detectar.

“Se olharmos apenas para os cenários onde os estudos a curto prazo anteriores foram feitos, e olharmos apenas para os estudos com pelo menos uma incidência de 20%, a curto prazo há ganhos em nutrição”, disse-me. “Mas ninguém recorreu a dados experimentais de uma grande amostra e observou o que aconteceria ao longo do tempo”. E são os efeitos a longo prazo dos programas de desparasitação que são mais notáveis ​​e mais importantes.

Isto levanta outra questão: Como é que o tratamento de parasitas intestinais aumenta o rendimento duas décadas mais tarde? Especialmente quando os impactos médicos a curto prazo são mínimos? “Quanto mais segurança temos que os impactos a curto prazo são pequenos, mais difícil é acreditar que os impactos a longo prazo sejam grandes”, David Roodman, escreveu para a GiveWell, resumindo esta preocupação em 2016.

Alguns dos efeitos da desparasitação ocorrem porque os alunos permanecem mais tempo na escola, mas outras investigações sobre a permanência dos alunos na escola não encontraram efeitos dessa magnitude no rendimento 20 anos mais tarde. Portanto, se a desparasitação está realmente a criar benefícios tão grandes, provavelmente não poderão ser apenas uma consequência de manter os alunos na escola. O que pode ser responsável pelos restantes benefícios?

Uma possibilidade, disse-me Miguel, era os efeitos numa comunidade devido a todos os seus alunos terem permanecido na escola por mais tempo. Os alunos cuja escola fez programas de desparasitação provavelmente irão trabalhar num emprego sobre o qual ouviram um amigo da escola falar, por exemplo. Mas isto também não chega para explicar a dimensão total do efeito. E os alunos que receberam tratamento desparasitante têm agora mais probabilidade de deixar as comunidades rurais em que cresceram para viver numa grande cidade — talvez ser mais saudável faça com que os grandes riscos de se mudar para uma cidade pareçam valer mais a pena.

Seria realmente vantajoso perceber como a desparasitação tem os efeitos que tem no rendimento, mas talvez não sejamos capazes de determinar isso apenas com base em dados de estudos como este. “A análise não resolve a questão de porquê exatamente e por que meios a desparasitação afetou os resultados dos adultos”, reconhece o artigo. É difícil separar cada um dos diferentes caminhos possíveis pelos quais a desparasitação pode afetar as pessoas porque muitos deles estão relacionados — aumentos iniciais no rendimento podem levar a aumentos mais duradouros no rendimento, por exemplo, bem como pode levar as pessoas a serem mais propensas a migrarem, bem como pode levá-las a procurar outros cuidados médicos quando for necessário e levá-las a serem mais saudáveis.

Para além disso, há a questão de quão bem os resultados se generalizam. A maior parte do mundo não tem uma incidência de parasitas tão alta como a do Quênia no final dos anos 1990. Portanto, a desparasitação em massa irá revelar efeitos menores noutras comunidades — e de facto, isso é o que os estudos descobriram. E, mesmo deixando de lado preocupações específicas como essas, os investigadores muitas vezes descobrem que as intervenções funcionam menos bem quando ampliadas e aplicadas noutras regiões, mesmo quando não há um motivo claro para isto.

Ainda restam dúvidas sobre a desparasitação — mas continua a ser uma boa aposta para a saúde pública

Mas, mesmo com algumas perguntas ainda sem resposta, as provas que de facto temos sugerem que os benefícios potenciais a longo prazo são suficientemente grandes para tornar os programas de desparasitação em massa uma das melhores apostas que conhecemos para melhorar o desenvolvimento das crianças nos países pobres.

Estas encontram-se sistematicamente entre as principais instituições de caridade recomendadas pela GiveWell enquanto intervenções custo-eficazes. (A GiveWell considera provável que a desparasitação faça muito menos bem no caso típico do que os resultados medidos do Quênia, mas ainda a considera uma das melhores intervenções de saúde global). Provavelmente, nenhum estudo irá esclarecer todas as nossas dúvidas, mas os estudos podem ser reunidos para formular a melhor estimativa. A minha melhor estimativa é que, pelo menos nas áreas com alta incidência de parasitas, os programas de desparasitação nas escolas são uma ideia muito boa.

E os legisladores têm levado isso muito a sério nas últimas duas décadas, implementando programas de desparasitação em grande escala que trataram muitos dos alunos mais vulneráveis. “Alcançamos mais de 78% de todas as crianças vulneráveis ​​[no Quênia] a um custo médio de 45 cêntimos por criança por ano”, disse o porta-voz da Evidence Action, Gabriel Plata, que dirige o programa de desparasitação Deworm the World. Mas o problema está longe de ser resolvido. “Há uma estimativa de prevalência de 800 milhões de pessoas que ainda estão em risco”, disse Plata.

E as coisas estão a piorar. As escolas estão a ser encerradas em grande parte do mundo devido ao coronavírus, e isso significa que as intervenções de saúde pública que normalmente acontecem nas escolas não estão a acontecer de todo. O novo estudo do Quênia é apenas o nosso último lembrete de que isso se trata de uma perda enorme e de que as crianças afetadas ainda podem sofrer dessa desvantagem daqui a 20 anos.

“O nosso estudo sugere que temos de encontrar uma forma de fazer chegar esses serviços às crianças” disse-me Miguel, “ou então os custos a longo prazo podem ser muito elevados”.

Uma lição importante: Não precisamos de ter resolvido todas as questões sobre a desparasitação para procurar programas de desparasitação custo-eficazes com base nas provas que temos. Ainda há mais coisas para se aprender sobre a desparasitação. Elaborar uma política global de saúde pública é confuso, difícil, frustrante e sempre muito mais fácil em retrospectiva. Mas também é muito importante. Tudo o que podemos fazer é continuar a tentar, continuar a aprender, permanecer curiosos e seguir em frente com o nossa melhor estimativa atual.

Tradução reproduzida do site do Altruísmo Eficaz e publicado originalmente pela Vox

Oncocercose - A Cegueira dos Rios

Uma doença por muito tempo negligenciada mas que agora encontra-se em fase avançada de eliminação

Um dos principais objetivos da doebem é buscar intervenções eficazes e organizações sérias no Brasil para promover uma cultura de doação efetiva. Uma das etapas da nossa metodologia consiste na pesquisa sobre a relevância de determinado problema no Brasil.

Neste post, decidimos falar sobre a Oncorcecose. A doença está na lista de programas prioritários construída pela GiveWell, que aponta intervenções que possam trazer resultados custo-efetivos na solução do problema. Mais especificamente, a GiveWell analisa a “distribuição em massa de medicamento para controle da Oncocercose”, solução que será detalhada abaixo.

O que é a Oncorcecose?

A Oncocercose, também conhecida por “cegueira dos rios”, “mal do garimpeiro” ou “doença de Robles”, é uma doença infecto-parasitária e a segunda causa mais comum de cegueira devido a uma infecção, depois do Tracoma. Atualmente, avalia-se que a doença afete 17 milhões de pessoas de 34 países em 3 continentes (99% dos casos na África) e estima-se que a cegueira completa ainda atingirá meio milhão de pessoas até sua eliminação.

A doença é causada pela infecção por filárias Onchocerca volvulus, vermes que são transmitidos por picadas da mosca preta do gênero Simulium, comumente chamada de piúm ou borrachudo. Embora a Oncocercose não cause a morte, seus sintomas podem gerar problemas severos. De acordo com Moraes (1991), “tais alterações são, às vezes, tão severas que justificam a expressão usada para descrever o aspecto dos pacientes: “os jovens parecem velhos, e os velhos, lagartos”” (p.504). A OMS (2017) apontou que tanto os problemas nos olhos como os de pele associados à doença resultaram em queda de produtividade, impactando, portanto, na economia das regiões afetadas. Dentre outros, os sintomas da Oncocercose incluem coceira intensa, pele ressecada, inchaço dos gânglios, febre e surgimento de nódulos.

A mosca Simulium é um inseto hematófago, ou seja, que se alimenta de sangue. Na busca por alimento, transmite causadores de outras doenças além da Oncocercose, como a Leishmaniose e a Mansonelose. Uma vez que as larvas dessa mosca requerem grande quantidade de oxigênio para seu desenvolvimento, ela geralmente deposita seus ovos em rios, principalmente em partes com cachoeiras, onde a aeração na água é maior (MORAES, 1991). Assim, as áreas mais afetadas pela doença são geralmente montanhosas e/ou com rios.

Como prevenir e tratar a doença?

Uma vez que não há vacina para a doença, a prevenção se dá por: 1) uso de roupas que cobrem boa parte da pele, de repelentes e de redes em torno das camas e 2) combate ao vetor (mosca). O combate ao vetor é feito pelo uso de inseticidas organofosforados e, em regiões nas quais as larvas apresentam resistência, pelo uso de larvicidas a base de Bacillus thuringiensis subespécie israelensis — Bti (HERZOG, 1999).

Embora as estratégias de prevenção apresentem relativo sucesso, o tratamento acaba gerando o maior impacto para a eliminação da Oncocercose no mundo. O tratamento para essa doença pode ser realizado através de nodulectomia (cirurgia para a retirada dos nódulos) e quimioterapia. Segundo Herzog (1999), a quimioterapia pode ser realizada pelo uso de um desses três medicamentos: SuraminaDietilcarbamazina e Ivermectina. Uma vez que provocava efeitos colaterais menos severos que os outros e era mais fácil de ser administrada, a Ivermectina passou a ser usada em massa no combate à Oncocercose.

O tratamento com Ivermectina é prolongado (mínimo de 8 anos) e consiste em administrações anuais ou bianuais (algumas vezes, semestrais ou até trimestrais) de doses da droga. Esse fármaco mata as microfilárias (verme jovem), mas não afeta os vermes adultos. Uma vez que as filárias (vermes adultos) podem viver por 8 a 15 anos no corpo do hospedeiro e, nesse período, continuam sua reprodução, faz-se necessário o uso contínuo e prolongado deste medicamento.

Além dos três medicamentos citados acima, um novo tratamento vem sendo desenvolvido: a administração de Doxiciclina. A Doxiciclina é um antibiótico que tem como alvo as bactérias Wolbachia, presentes na parte exterior dos vermes. Tais bactérias apresentam relação de simbiose mutualística obrigatória com os vermes e, nesse tipo de relação, um ser precisa do outro para sobreviver. Nesse sentido, a morte da bactéria pode causar morte do verme e vice-versa. Assim, uma estratégia de combate à Oncocercose é através da morte das bactérias, que embora não sejam as causadoras da doença, são fundamentais para a sobrevivência do verme adulto. Atualmente, estudos vêm buscando compreender melhor a relação entre as bactérias e as filárias e a possível interação entre os medicamentos Ivermectina e Doxiciclina para intensificar o combate à doença (ALBUQUERQUE, 2011); (ABEGUNDE, et al., 2016).

Qual é a situação da Oncocercose no Brasil?

O primeiro caso de Oncocercose humana apareceu na literatura em 1985. Ao longo do século XX, outras descobertas foram realizadas sobre a doença como sua causa, características do parasita e do vetor, formas de diagnóstico, sintomas e formas de tratamento e prevenção. Com esse avanço, novas informações sobre a situação da doença no mundo foram obtidas e, em 2013, a OMS (2017) estimou que 25 milhões de pessoas estavam infectadas, dentre as quais 300.000 estavam cegas e 800.000 sofriam de problemas de visão em decorrência da doença.

Distribuição da doença no mundo, 2013. Imagem da World Health Organization.

Apesar desses dados alarmantes, a Oncocercose era e continua sendo considerada uma “Doença Negligenciada”, assim como a Malária e a Doença de Chagas. De acordo com Valverde (2013), essas doenças são “causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda” e ainda recebem pouco investimento para pesquisas, produção de medicamentos e controle.

Até a década de 1980, apesar de suas limitações, o combate ao vetor (mosca) permaneceu a principal estratégia de combate à Oncocercose. Embora a Suramina e a Dietilcarbamazina já tivessem sido desenvolvidas nesse período, seus efeitos colaterais severos e os entraves à sua aplicação mantinham a distribuição de medicamentos como estratégia secundária.

"Essas doenças são “causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endêmicas em populações de baixa renda” e ainda recebem pouco investimento para pesquisas, produção de medicamentos e controle."

A década de 1980 foi marcada por um avanço revolucionário no combate à Oncocercose: a descoberta da Ivermectina como medicamento capaz de matar os vermes jovens (microfilaricida). Após a realização de testes com humanos infectados, verificou-se que esse medicamento tinha alta tolerância e que um único tratamento prevenia a infecção por 4 a 6 meses. Essas descobertas acerca da Ivermectina representaram uma quebra de paradigma nas estratégias de combate à doença e, por matar os vermes ainda jovens , esse medicamento reduz o risco de surgirem sintomas severos (causados por esses vermes) e reduziam o potencial de propagação da doença (CUPP, et al., 2011).

A Ivermectina passou a ser distribuída em focos na África numa estratégia de medicação anual e, verificado o sucesso inicial, em 1986, testes com distribuição semestral passaram a ser realizados na América. Comprovado o sucesso do medicamento nos testes, a Companhia Merck reconheceu a importância da Ivermectina na terapia contra a Oncocercose e, em 1987, ela anunciou seus planos de doar Mectizan® (Ivermectina) pelo tempo que for necessário. Segundo Cupp, Sauerbrey e Richards (2011), esse gesto não teve precedentes na história da medicina tropical e ofereceu a possibilidade de controle da doença.

Diante desse cenário, a Organização Pan-Americana da Saúde (PAHO) fundou, em 1991, o Programa de Eliminação da Oncocercose para as Américas (OEPA), que passou a atuar como coordenador e centro técnico de uma coalizão internacional (GUSTAVSEN, et al., 2011); (CUPP, et al., 2011). O projeto inicial do OEPA era a eliminação da doença da região em 2007 e, apesar dessa meta não ter sido atingida, diversos avanços significativos foram feitos. Após o tratamento com Ivermectina e o combate ao vetor com inseticidas, a doença foi eliminada na Colômbia (2013), no Equador (2014), no México (2015) e na Guatemala (2016). Dos três focos da doença na Venezuela, a doença foi eliminada em 2 deles. O foco em que a Oncocercose ainda não foi eliminada na Venezuela é contíguo ao brasileiro e a eliminação de um requer a eliminação do outro (SAUERBREY, et al., 2018).

Os dois últimos focos localizam-se na área indígena Yanomami, território extremamente isolado e de difícil acesso, aspectos que dificultam a entrega dos medicamentos. Além disso, os Yanomamis têm hábito seminômade, o que oferece barreiras à manutenção de um tratamento regular (GUSTAVSEN, et al., 2011). Dados apontam que, atualmente, há 30.561 pessoas em áreas de risco, sendo 15.086 na Venezuela e 15.475 no Brasil. Embora haja essa divisão estatística, os focos são fisicamente um só e sua eliminação requer esforços conjuntos dos dois países.

Nesse sentido, os governos brasileiro e venezuelano aproveitaram a ocasião da 67ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, na Suíça, em 2014, e firmaram um acordo se comprometendo a fortalecer e integrar ações para eliminação da doença na fronteira entre os países (ROCHA, 2015). A partir desse comprometimento e do fortalecimento no combate à doença, a PAHO renovou seu prazo para a eliminação da doença para 2022. De acordo com dados do Ministério da Saúde (2012), entre 2000 e 2016 não foram detectados novos casos da doença no Brasil, fazendo crescer as esperanças de sua eliminação no país nos próximos anos.

Vale a pena investir no combate a doença?

Conforme apresentado acima, a Oncocercose no Brasil encontra-se em fase de eliminação, ou seja, embora ele seja um problema relevante, ele está praticamente solucionado. Nesse sentido, nós da doebem optamos por não prosseguir com essa análise, entendendo que nossa recomendação não geraria impacto sobre a situação atual do combate à doença no Brasil.

Uma vez que a Oncocercose ainda afeta milhões de pessoas, principalmente na África, caso você tenha interesse em doar para organizações que a combatem, sugerimos que você visite o site da The Carter Center, organização responsável pelo gerenciamento dos recursos para essa causa, ou doe para os programas de desparasitação que também acabam por indiretamente combater a doença.

Este post foi escrito por Dominic Doula Ribeiro e revisado por Guilherme SamoraElisa Mansur e Fernando Moreno.