A importância das mulheres na luta contra o aquecimento global
"Aprimorar os direitos e bem-estar de mulheres e garotas pode melhorar o futuro da vida nesse planeta."
Na doebem, estudamos diversas soluções que possuem alta efetividade na resolução de problemas globais. Muitas vezes, tais soluções podem vir de maneiras pouco intuitivas, e o objetivo dessa série de dois posts é mostrar um exemplo disso.
O texto abaixo é uma tradução livre de um excerto do livro Drawdown — The most comprehensive plan ever proposed to reverse global warming — Edited by Paul Hawken (o plano mais abrangente proposto para reverter o aquecimento global).
O livro compila uma lista das 100 soluções mais eficazes no combate ao aquecimento global, estimando seus custos, redução de emissões e também o retorno econômico no longo prazo. Clique aqui para acessar a lista completa das soluções.
Mulheres e Meninas
Essa seção é enganosamente pequena no livro. As soluções aqui listadas focam na maior parte da humanidade, os 51% de mulheres. Nós as destacamos pois a mudança climática não é neutra quanto ao gênero. Por conta das desigualdades existentes, mulheres e garotas são desproporcionalmente mais vulneráveis aos impactos do aquecimento global, desde doenças até os desastres naturais. Ao mesmo tempo, mulheres e garotas são figuras-chave para combater o aquecimento global com sucesso — e para a resiliência geral da humanidade. Como você poderá observar, a exclusão e marginalização conforme o gênero causam dano a todos, enquanto que a equidade é boa para todos. Essas soluções demonstram que aprimorar os direitos e bem-estar de mulheres e garotas pode melhorar o futuro da vida nesse planeta.
Tabela resumo do Impacto Esperado

Nota do Tradutor: a tabela acima faz a estimativa de impacto apenas das soluções destacadas nessa tradução. Para uma lista completa das soluções voltadas a reversão do aquecimento global, ranqueadas, acesse aqui.
Planejamento Familiar
Mulheres poderem planejar o tamanho de suas famílias, o intervalo entre uma gravidez e outra, e terem filhos por escolha e não por sorte são questões de autonomia e dignidade. Cerca de 225 milhões de mulheres em países de baixa renda dizem que gostariam de poder escolher quando ficarem grávidas mas não têm o acesso necessário a contraceptivos — resultando em cerca de 74 milhões de gravidezes indesejadas por ano. Esse problema também persiste em alguns países de primeiro mundo, incluindo os Estados Unidos, onde 45% das gravidezes são indesejadas. Garantir o direito fundamental ao planejamento familiar, voluntário e de alta-qualidade teria um impacto positivo poderoso na saúde, bem-estar e expectativa de vida tanto de mulheres quanto de crianças ao redor do mundo. Os benefícios para o desenvolvimento social e econômico são inumeráveis e, por si só, mereceriam ação rápida e continuada. O planejamento familiar também pode ter efeitos em cascata na mitigação das emissões de efeito estufa.
No começo dos anos 70, Paul Ehrlich e John Holdren desenvolveram a hoje famosa equação conhecida como IPAT: Impacto = População x Afluência x Tecnologia. De modo simplificado, ela afirma que o impacto que os seres humanos têm no meio ambiente é uma função do número de habitantes, do seu nível de consumo e do tipo de tecnologia usada. Muito do trabalho visando ao aquecimento global tem focado na parte da equação relativa à tecnologia, abandonando progressivamente os combustíveis fósseis. Outros focaram na afluência, objetivando reduzir o apetite dos consumidores por coisas, particularmente nos países ricos. Combater o terceiro fator, população, continua sendo questão controversa, apesar da concordância generalizada de que mais pessoas colocam mais tensão no planeta, ainda que de maneira desigual. Cada pessoa consome recursos e gera emissões durante toda sua vida; esses impactos são muito maiores para alguém nos Estados Unidos do que para alguém no Uzbequistão ou Uganda. A emissão de carbono por pessoa (conhecida como “pegada de carbono” — carbon footprint) é um tópico comum no meio ambientalista. Porém falar sobre quantos “pés” estão deixando de “fazer uma trilha” não é tópico comum, em grande parte por preocupações de que relacionar o planejamento familiar à saúde do meio ambiente possa ser inerentemente coercitivo ou cruel — Malthusiano em seu pior sentido. Contudo, quando planejamento familiar foca no fornecimento de assistência médica e no atendimento às necessidades explícitas das mulheres, empoderar, equalizar e fornecer bem-estar são os objetivos; benefícios ao planeta são apenas um efeito colateral.
Desafios para a expansão do acesso ao planejamento familiar vão desde o fornecimento básico de contraceptivos culturalmente apropriados e com preços acessíveis até a educação quanto ao sexo e a reprodução; desde hospitais muito distantes até a atitude hostil de certos prestadores de serviços médicos; das normas religiosas e sociais até a oposição dos parceiros ao uso de controle de natalidade. Atualmente o mundo carece de US$ 5,3 bilhões em fundos para o fornecimento de acesso à saúde reprodutiva que as mulheres afirmam desejar.

As histórias de sucesso no planejamento familiar, contudo, são impressionantes. O Irã iniciou um programa no começo dos anos 90 que é promovido como um dos de maior sucesso na história. Completamente voluntário, ele envolveu os líderes religiosos, educou o público e forneceu acesso gratuito a contraceptivos. Isso resultou numa queda pela metade das taxas de fertilidade em apenas uma década. Em Bangladesh, a taxa média de natalidade caiu de seis crianças em 1980 para duas hoje, por conta de uma abordagem porta-a-porta, pioneira do hospital Matlab, espalhada por todo o país: trabalhadoras de saúde fornecendo cuidados básicos para as mulheres e crianças onde vivem. Essas e outras histórias de sucesso mostram que apenas o fornecimento de contraceptivos é raramente suficiente. O planejamento familiar requer reforço social, por exemplo através de programas de rádio e novelas de televisão que agora são usadas em muitos lugares para alterar a percepção do que é “normal” e “correto”.
Depois de se calar sobre o tópico do planejamento familiar por mais de 25 anos o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) incluiu o acesso a serviços de saúde reprodutiva em seu relatório de síntese de 2014 e apontou o crescimento populacional como fator importante na concentração de gases do efeito estufa. Crescente evidência sugere que o planejamento familiar tem o benefício adicional de construir resiliência — ajudando comunidades e países a melhor lidar e se adaptar às inevitáveis mudanças trazidas pelo aquecimento global. Isso também tem implicações para as mulheres e crianças, que, por conta das desigualdades existentes, sofrem desproporcionalmente quando impactadas, de doenças à desastres naturais.
Contudo, esse tópico ainda é tabu em muitos países e instituições, cercado pela crença persistente de que levantar a questão sobre a população, ou abordagens que visam a reduzi-la, é inerentemente draconiano e uma afronta ao valor da vida humana. Pode ser o oposto num planeta cada vez mais aquecido e lotado: para reverenciar a vida humana é necessário garantir uma casa viável e vibrante para todos. Honrar a dignidade de mulheres e crianças por meio do planejamento familiar não diz respeito a governos centralizados forçando uma queda da taxa de natalidade — ou para cima, por meio de políticas natalistas. Nem é sobre organizações ou ativistas de países ricos, onde as emissões são as maiores, dizendo às pessoas em outros lugares para pararem de ter filhos. É mais essencialmente sobre liberdade e oportunidade para as mulheres e o reconhecimento de um direito humano básico. Atualmente, o planejamento familiar recebe apenas 1% de toda verba da ajuda externa internacional. Esse número poderia dobrar, com o objetivo de que os países de baixa renda coloquem uma igual contraparte, uma atitude moral que também teria muito significado para o planeta.
Análise de Impacto
O aumento na adoção de serviços de saúde reprodutiva e planejamento familiar é um componente essencial para alcançar a projeção populacional de 9,7 bilhões de pessoas em 2050, de acordo com a média estimada pelas Nações Unidas em 2015. Se os investimentos em planejamento familiar, particularmente em países de baixa renda, não se materializarem, a população global poderá se aproximar da projeção superior, acrescentando 1 bilhão a mais de pessoas no planeta. Nós modelamos o impacto dessa solução baseados na diferença entre quanta energia, espaço construtivo, comida, lixo e transporte seriam usados, comparado àquele da projeção de 9,7 bilhões. O resultado seria a redução de emissões em 123 gigatoneladas de dióxido de carbono, a um custo médio anual de US$10,77 por usuário em países de baixa renda. Como a educação de garotas (próximo tópico) tem um importante impacto no uso de planejamento familiar, nós alocamos 50% do potencial total de redução de emissões para cada solução — 59,6 gigatoneladas para cada.
Este post foi traduzido do livro "Drawdown — The most comprehensive plan ever proposed to reverse global warming" por Fernando Moreno e revisado por Guilherme Samora e Elisa Mansur.